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Parte 1: Diretrizes sobre o uso de dados de vida real em avaliações de tecnologias em saúde

Atualizado: 6 de jun. de 2022

Carisi Anne Polanczyk

Ana Paula Beck da Silva Etges


O processo de decisão acerca da incorporação de uma tecnologia (ATS) no sistema de saúde está estabelecido em muitos países. Inicia com a análise de evidência de pesquisas clínicas para avaliar benefícios e riscos e finaliza com a avaliação dos custos ao sistema e à sociedade.

Dentre os estudos utilizados no processo, os ensaios clínicos randomizados e revisões sistemáticas são as metodologias com menor potencial de viés, aceitos pela maioria das agências de ATS. Entretanto, os ensaios clínicos randomizados costumam ter duração longa, custo elevado e possuem limitações inerentes a extrapolação de resultados ao universo amplo de pacientes com as mais diversas condições clínicas. Por vezes, os ensaios clínicos também podem não oferecer todas as informações necessárias para análise plena e segura das tecnologias, por não seguirem monitorando os efeitos ao longo da vida dos pacientes.


Com o crescimento de dados de saúde no meio digital em larga escala, é esperado que os dados de vida real (real world data - RWD) comecem a ser utilizados para auxiliar o processo de ATS e de avaliação de novas soluções digitais na área da saúde (como aplicativos), pois seu uso pode propiciar uma avaliação mais abrangente e completa das tecnologias com maior agilidade e menor custo. Dados de vida real quer seja primários -- estudos nos quais há uma coleta de dados programada, como registros de pacientes, estudos de coorte, série de casos -- ou secundários, como busca em prontuários eletrônicos, dados administrativos ou mesmo de fontes não diretamente relacionados à assistência em saúde, podem preencher lacunas existentes no processo de recomendação das novas tecnologias.

Entretanto, existe uma preocupação de que com a proliferação de dados, ferramentas de aprendizado de máquina e inteligência artificial, os RWD não forneçam evidências sólidas para assegurar benefício e risco de uma tecnologia em saúde. Transformar dados de vida real em evidência de vida real (real world evidence – RWE) é um desafio que marca um novo momento no processo de ATS. Nesse sentido é importante que existam regras e diretrizes para como e quando transformar RWD em evidências adequadas para apoiar as decisões regulatórias em saúde.

Em 2018, a agência americana FDA lançou um Programa para nortear como RWD pode ser usado pela agência na decisão de aprovação de medicamentos e produtos em saúde. O FDA definiu quando informações de estudos não-intervencionistas (observacionais, provenientes de RWD) podem oferecer evidências científicas suficientes para garantir a recomendação de produtos de saúde no mercado americano. Dentro desse programa, o FDA orienta a indústria e os pesquisadores sobre como será a análise e valorização desses dados pela agência. Contemplam a lista de recomendações a necessidade de manter a anonimização e segurança de dados dos indivíduos, além de descrever a construção a priori de um método investigativo com embasamento científico. É recomendado que o desenho de estudo, incluindo base de dados a ser usada e as análises estatísticas planejadas, sejam descritas, aprovadas e submetidas antes de serem conduzidas de modo que possam ser reproduzidas em futuros estudos. Desde então, o FDA vem publicando guias de orientação para a indústria com o objetivo de auxiliar a utilização de RWD para suportar as decisões regulatórias, bem como dar a direção em como utilizar o dado.


Na Inglaterra, o NICE lançará no dia 23 de junho de 2022 o 'NICE Real World Evidence Framework' com o objetivo de definir a utilização adequada de RWD para a redução de incertezas no processo de recomendação de incorporação de tecnologias, e descrever melhores práticas para planejar, conduzir e reportar estudos que utilizaram RWD, melhorando a qualidade e a transparência da evidência.


Os frameworks do FDA e do NICE devem facilitar a adoção do uso de RWE para situações em que a condução dos ensaios clínicos controlados é mais complexa, como para as terapias oncológicas e de doenças raras. Além disso, outros países devem seguir a mesma tendência e inspirar a definição dos seus frameworks regulatórios nos avanços já traçados nos Estados Unidos e Inglaterra.


Em um primeiro olhar pode parecer que esses novos guias flexibilizaram o processo de ATS por permitir que dados observacionais sejam aceitos por agências reguladoras. Entretanto, cabe salientar que ainda existem muitas questões a serem abordadas como, por exemplo, aceitação de fontes de dados de outros países e orientações para uso de dados não estruturados como de prontuários de saúde ou dados administrativos. Também não está explícito como será o processo de valoração de informações oriundas de RWD em comparação com as obtidas em ensaios clínicos randomizados tradicionais e como será a avaliação de soluções de saúde digital que tenham alcance e impacto populacional.

Aplicativos digitais que envolvem aspectos de saúde têm sido aceitos em escala pela sociedade, implicando mudanças nos hábitos de vida da população. Apesar de não serem tecnologias que exigem processo formal de avaliação no sistema de saúde, o seu uso pela população e o impacto no empoderamento dos indivíduos sobre a sua própria saúde, desperta a necessidade do estabelecimento de formas de monitoramento acerca do uso adequado. Essas soluções podem ser uma fonte rica de dados de vida real, intensificando a importância da sua inclusão nos avanços regulatórios a serem traçados pelas agências reguladoras.

Os esforços internacionais de fornecer informação sobre uso de dados de vida real para ATS são muito relevantes aos órgãos reguladores no Brasil. ANVISA, CONITEC e ANS precisam avançar nessa discussão nas avaliações de produtos. É fato que estamos em estágios diferentes de outros países na capacidade de explorar o mundo digital, tanto na qualidade e na granularidade das bases de dados, quanto de recursos humanos capacitados. Além disso, para que os RWD e RWE sejam lançados com propósitos de saúde pública, será necessário uma colaboração e comunicação entre todos os atores envolvidos, médicos, pacientes, pesquisadores, indústria e gestores.

Highlights:

  • É necessário que cada agência reguladora estabeleça diretrizes nacionais para o uso de RWD no processo de incorporação de tecnologias de saúde e este passo ainda não foi dado no Brasil;

  • A capacidade de digitalização de dados de indivíduos avança com mais agilidade do que a capacidade regulatória;

  • É consenso que o uso de RWD em ATS representa um passo importante na história, principalmente no campo das doenças oncológicas e das doenças raras;

  • Os frameworks já disponíveis traçam estratégias sobre como compor o uso de ECR e RWD de forma a otimizar e melhorar o processo de incorporação e descontinuidade de tecnologias de saúde.

  • Os dispositivos digitais que proporcionam a geração de dados de saúde em escala, como aplicativos, também requerem definição de diretrizes para o uso adequado pela sociedade.

Referências:

Concato, J. and Corrigan-Curay, J., 2022. Real-World Evidence-Where Are We Now?. The New England journal of medicine.


U.S. Food & Drug Administration, Real-World Data: Assessing Electronic Health Records and Medical Claims Data To Support Regulatory DecisionMaking for Drug and Biological Products.Guidance for Industry. Sept 2021.


U.S. Food & Drug Administration. Data Standards for Drug and Biological Product Submissions Containing Real-World Data. Guidance for Industry. Oct 2021.

U.S. Food & Drug Administration. Framework for the FDA’S. Real World Evidence Program. Dez 2018; 40 p

U.S. Food & Drug Administration. Considerations for the Use of Real-World Data and Real-World Evidence to Support Regulatory Decision-Making for Drug and Biological Products

Guidance for Industry. Dez 2021; 12 p


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