Cristiano Englert
Ana Paula Beck da Silva Etges
Carisi Anne Polanczyk
Tecnologias que permitem medir a rotina de indivíduos, sendo capazes de gerar informações que contemplam aspectos comportamentais, são realidades atuais com forte impacto para a geração de dados de vida real (RWD) úteis para a gestão da saúde populacional. Os wearables são exemplos de soluções que ao coletarem dados, automaticamente por estarem em uso, permitem conhecer rotinas e hábitos de indivíduos, sendo fontes importantes de RWD.
A Healthcare Information and Management Systems Society (HIMMS) pontua como o uso de wearables têm impactado na saúde individual: na personalização, na motivação à adoção de hábitos saudáveis e autogestão deles, acesso à informação e práticas de autocuidado com preço acessível. Considerando que muitas doenças crônicas como diabetes, hipertensão e cardiopatias são desencadeadas ou agravadas por hábitos nocivos dos indivíduos, estas tecnologias se tornam aliadas poderosas ao processo de estabelecimento de rotinas de vida mais saudáveis. Entre os exemplos de efeitos que os wearables acarretam nos hábitos de indivíduos está a prática de atividades físicas. Artigo recente publicado no JAMA Network apresentou uma metanálise de 38 ensaios clínicos randomizados com total de 4.203 participantes e o resultado apontou melhora significativa nos níveis de atividade física em um período de 15 semanas, em pacientes com doenças cardiometabólicas. O estudo também demonstrou que quando o uso estava associado à consulta médica periódica os resultados eram ainda melhores. (1)
As BigTechs como Amazon, Google e Apple têm assumido um papel pioneiro na transformação do sistema de saúde, no que diz respeito à aceitação dessas soluções pela população. Além de disponibilizarem tecnologias com interfaces amigáveis para os indivíduos, essas empresas têm desenvolvido pesquisas em parceria com instituições renomadas de saúde, ensino e pesquisa, como Cleveland Clinic e Stanford Medicine. Para a Cleveland, as soluções wearables têm sido essenciais para o estabelecimento do conceito de uma saúde conectada e voltada a geração de melhor experiência para os pacientes. Junto com Stanford, a Apple desenvolveu o estudo com maior número de pacientes randomizados em um curto período e alcançou resultados satisfatórios para o diagnóstico precoce de arritmias cardíacas,(2) como foi destacado na primeira resenha da RWDLatam (2).
O potencial uso de RWD através dos dispositivos pessoais vai muito além de melhorias de saúde individual e coletiva. Os dispositivos têm sido aliados de empresas para aprimorar a segurança no ambiente de trabalho, adequar despesas pelas seguradoras de saúde, ampliar monitoramento de saúde de colaboradores institucionais, entre muitos outros.
Entre os fatores que impulsionam a aceleração de iniciativas sistêmicas acerca da entrada dos wearables como fontes ricas de RWD para a geração de informações está a atual capacidade de transmissão de dados? existente com a implementação das linhas de transmissão 5G. Essa capacidade tecnológica permite que o acesso e o compartilhamento de dados ocorra com mais facilidade. Deste modo, as fronteiras entre especialistas e a realidade peculiar de cada indivíduo ficam menores e, viabilizar geração de informação a nível de indivíduo passa a ser factível e contribui com a gestão proativa dos cuidados de saúde.
Apesar do cenário promissor e direcionado ao uso mais frequente das tecnologias, ainda existem lacunas para que o seu uso possa ser convertido em subsídios para o estabelecimento de melhorias ao sistema de saúde. Entre os desafios está a necessidade de haver uma maior aproximação entre a indústria de desenvolvimento de tecnologias, os especialistas e os cientistas que conhecem as reais necessidades do sistema de saúde. (3) Entende-se que para o alcance de resultados mais assertivos, os cientistas deveriam ser envolvidos na ideação das novas soluções junto à indústria. Este alinhamento desde o início da concepção de novos produtos proporcionará o alcance de resultados mais promissores nos estudos utilizando RWD. (4) Com o uso dos wearables, monitorar os resultados que estão sendo gerados com o uso de tecnologias incorporadas no contexto da vida real para a ser acessível em termos tecnológicos e financeiros.
No entanto, a integração dos dados gerados pelos wearables utilizados pelos indivíduos com sistemas hospitalares ou de acesso a profissionais de saúde, em consultório, ainda é um desafio. (5) Enquanto o wearable for utilizado apenas de forma isolada, o uso dos dados gerados por ele para o estabelecimento de políticas de saúde continuará limitado. Para que a interoperabilidade de dados ocorra em compliance com as regulações e ética, é necessário haver uma maior colaboração entre a indústria e órgãos reguladores nacionais e internacionais. (4)
Um segundo desafio diz respeito à resistência da comunidade médica em usar essas inovações no cuidado dos seus pacientes. Vários fatores são apontados como críticos, como o fato dos dados coletados precisarem aumentar a eficiência no trabalho, auxiliando os profissionais de saúde. Também existe uma preocupação com a acurácia dos dados, resultados falsos positivos que podem gerar mais ansiedade e sobrecarga ao sistema de saúde. Na perspectiva do usuário há muita cautela em relação a privacidade dos dados, a preocupação com ataques cibernéticos e uso indevido da informação.
Outro desafio diz respeito aos aspectos regulatórios envolvendo os wearables com dados em saúde. Nos Estados Unidos, por exemplo, as empresas de tecnologias ainda hesitam em classificar os smartwatches como dispositivos médicos, para evitar a regulamentação do setor. Mas na medida em que esses dispositivos e suas saídas são integrados nos sistemas hospitalares e seus alertas direcionam mais pacientes ao sistema de saúde, é esperado que mecanismos reguladores passem a exigir regras mais restritivas.
Se o pressuposto do uso de RWD é gerar informações mais fidedignas de indivíduos, para que as evidências sejam mais próximas da realidade, parece racional que os wearables sejam aliados estratégicos dessa transformação cultural. Estas tecnologias apresentam baixo custo quando comparadas ao investimento para a execução de ensaios clínicos tradicionais, acompanham os indivíduos constantemente, permitem acompanhamento de cada passo dado, são utilizadas como forma de autocuidado, além de coletar dados de uma população diversa, diferentemente dos ensaios clínicos. Consequentemente, são fontes ricas de dados individuais e podem trazer consigo uma grande precisão, pois podem ser coletadas diretamente do paciente. Por isso, apesar dos desafios, a adesão dos wearables em um sistema que valoriza RWD é fundamental e sustentável para o estabelecimento de um sistema de saúde mais eficiente e centrado nos indivíduos.
Referências:
Hodkinson, A., Kontopantelis, E., Adeniji, C., Van Marwijk, H., McMillian, B., Bower, P. and Panagioti, M., 2021. Interventions using wearable physical activity trackers among adults with cardiometabolic conditions: a systematic review and meta-analysis. JAMA Network Open, 4(7), pp.e2116382-e2116382.
Seshadri, D.R., Bittel, B., Browsky, D., Houghtaling, P., Drummond, C.K., Desai, M.Y. and Gillinov, A.M., 2020. Accuracy of Apple Watch for detection of atrial fibrillation. Circulation, 141(8), pp.702-703.
Izmailova, E.S., Wagner, J.A. and Perakslis, E.D., 2018. Wearable devices in clinical trials: hype and hypothesis. Clinical Pharmacology & Therapeutics, 104(1), pp.42-52.
Barick, U., Gowda, A., Mohanty, R., Dutt, A.R., Somanath, M., Mittal, S. and Patil, A., 2016. Harnessing real world data from wearables and self-monitoring devices: Feasibility, confounders and ethical considerations. Mefanet Journal, 4(1), pp.44-49.
Dinh-Le, C., Chuang, R., Chokshi, S. and Mann, D., 2019. Wearable health technology and electronic health record integration: scoping review and future directions. JMIR mHealth and uHealth, 7(9), p.e12861.
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